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eu não sei se me é possível acreditar em boa morte. tem surgido muito o assunto, né? normal da humanidade, em suas motivações sempre tão sanitárias, ainda que falhas, tentar melhorar todos os aspectos dessa nossa existência. deve ter começado com comer carne mais macia, depois dormir abrigado da chuva, se proteger do frio. evoluímos pra evitar contato até com os nossos próprios dejetos e então, finalmente, estamos tentando encarar a morte. mas me parece meio fútil.
a verdade é que todo crepúsculo é triste. põe-se um dia, põe-se um ano, põe-se um emprego, uma relação social, a vida útil de um objeto, e tudo que se põe é, no fim das contas, triste. por que seria diferente com uma vida?
de alguém que perde o domínio do próprio corpo e da própria mente e se vê obrigado a acatar as decisões alheias depois de anos de decisões próprias. com família pra tocar os ritos fúnebres. sem família, esquecido inerte até que torne uma questão de saneamento. após uma bela vida. após uma vida de sofrimentos e quases. que gere homenagens, textos e obras de arte pra que os vivos aproveitem. que vire mero comentário ou parecer técnico. triste.
acreditar em boa morte é um privilégio de quem não morreu. pelo menos daqueles que tiverem força de vontade o suficiente pra conseguir crer. como toda finitude, nenhuma é adequada, nem a desse texto que eu comecei a escrever pra lidar com um sentimento e terminei, clichê o suficiente, sem conseguir encontrar uma boa conclusão