diário do após-calipse
São Paulo, 08/03/2028.
Acho que já faz uns seis anos que não existe mais internet. Sei lá, acho que o governo dos EUA decidiu que não ia mais ter. Ninguém sabe, na verdade. A gente só sabe que não tem mais internet.
Mas não é que o plano deu certo? Tá tudo bem agora. De noite o telefone toca e sempre é algum amigo distante. “Tudo bem por aí? Sim, e por aí? Por aqui também.” Por lá e acolá também. Nunca mais aconteceu nada.
Deitado na rede, me dei conta de que a minha perna não fica mais sacudindo sozinha. Me dei conta de que nunca mais tive enxaqueca. Percebi que esse é o terceiro pôr do sol que eu assisto aqui, deitado, comendo um queijo. O começo da noite não traz mais angústia, nem o fim dela.
Ouvi o sininho da porta tilintando e, vagarosamente, levantei. Dei o último gole no café (e que café!) e decidi ir lá ver quem era. A notificação não vibrava mais no pulso, não fazia mais verter a atenção de modo tão abrupto. Quem quer que fosse, podia e fazia questão de esperar um pouco, respirar um pouco.
— Opa! Queria alugar um filminho pra ver hoje. O que tem de bom aí?
Sorri e lembrei da textura do controle remoto no dedo sempre dobrado num clique infinito enquanto tentava pescar alguma coisa na Netflix. Aqui não, aqui só tem filme bom. Recebi o pagamento em dinheiro mesmo e ainda ganhei um doce de abóbora, voltei pra rede e tive a ideia de escrever esse relato, mas tudo bem, podia esperar. Tudo podia esperar, faz uns seis anos que não tem mais internet.