fio 600
pouco sobrou à classe média hoje em dia. não muito além de algum esforço fútil, escapes de consumo pra quem só restou a possibilidade de ajetivar tudo: a si mesmo, aos outros, aos objetos. quanto mais exclusivos os adjetivos, melhor.
se o pobre já possui uma cafeteira “italiana”, é imperativo possuir um moedor de café com lâminas cônicas de cerâmica. se alguma maldita marca chinesa disponibilizou as mesmas lâminas cômicas ao pobre premium, é necessário que o moedor da classe média carregue consigo algo a mais. talvez uma grife ou sei lá, wifi.
e se já sobrou pouco à classe média, imagine você o que sobrou ao pobre premium. algum tipo de consumo que só consegue acontecer quando alguém quebra alguma patente e disponibiliza algo interessante no aliexpress. alguma coisa que lembre a classe média.
esses dias chegaram roupas de cama novas aqui em casa. vesti o lençol no colchão com tensão suficiente pra que não sobrasse nenhuma dobra. fronha macia, um edredom pesado o suficiente pra fazer uma leve pressão no corpo. suspensão o suficiente pra te servir de consolo sensorial. “não posso fazer nada, o edredom me mantém imóvel aqui dentro”
era sexta-feira, fazia um friozinho gostoso. água perfumada. meus sentidos só existem pro algodão.
acabei dormindo em cima do edredom, a porta do quarto aberta, a luz da cozinha invadindo em todo seu esplendor, afirmando a qualquer ciclo circadiano que ele não é páreo para a energia elétrica. sei lá onde estava o travesseiro.
Zelo — Tudo em cama, mesa e banho