não tem como fechar os olhos se você não tiver pálpebras
eu sempre temi a morte. desde criança, se for ver. lembro que por volta dos dez anos eu desenvolvi uma rotina de ficar triste sempre que acabava o dia e a noite despontava no horizonte. eu era novo, tinha pouco ou nenhum motivo pra isso, mas o pôr do sol trazia um aperto pro meu peito que eu só voltei a experimentar na vida adulta. eu sentia como se o meu tempo estivesse acabando. eu sinto isso até hoje.
quando bem pequeno, bem pequeno mesmo, eu dormia junto à minha mãe e sempre pedia pra ela dormir com o olho aberto, com medo que ela morresse. eu nunca tinha visto ninguém morto de olho aberto na tv, então essa era a forma que eu tinha de eternizar a minha mãe. tudo podia acontecer naquele período de inconsciência do sono, seguro morreu de velho.
morte sempre foi um assunto recorrente pra mim. não que ele fosse abordado ao meu redor, muito pelo contrário. eu que sempre fiz questão de abordar comigo mesmo o tempo todo. eu já perdi a conta de quantas vezes eu já chorei imaginando a morte da minha avó ou até mesmo a minha.
naquele programa “rá-tim-bum” da tv cultura tinha uma esquete em que os fantoches saíam por aquela são paulo bizarra dos anos 80 – a imagem desbotada, as calças de cintura alta, os cabelos de permanente, puro suco da passagem do tempo – perguntando pras pessoas qual era o maior medo delas. os entrevistados provavelmente se censuravam ao expor seus medos em um programa infantil: abelhas, trovão, altura. tudo muito lúdico. eu me imaginava respondendo aos bonecos:
“meu medo mesmo é morrer”– guilherme, 4 anos