Quarta-feira de cinzas

ou Memento Mori

Guilherme Polonca
2 min read6 days ago

No sábado de Carnaval eu vi um corpo morto no chão de uma das avenidas mais movimentadas de São Paulo. Um motoqueiro coberto por aqueles cobertores metálicos, a polícia se esforçando pra redirecionar o tráfego, algumas pessoas em volta provavelmente relacionadas ao acontecimento.

Eu tinha saído na rua pra resolver uma burocracia, e não há nada como uma burocracia pra fazer você se esquecer de que está vivo. Vi o corpo no chão e lembrei na hora, depois voltei pra burocracia e esqueci de novo. Não aprendi quase nada.

Eu vi de cima, da passarela do metrô. Todo mundo que estava passando parou pra ver também, e uma senhora com uma criança até parou pra filmar e tirar fotos, com o celular deitado até. Julguei na hora, mas agora estou escrevendo esse texto. Seriam meus intentos mais nobres? Eu duvido.

Fiquei sentido com a morte e ao mesmo tempo não conseguia deixar de pensar numa música do Mac Miller que foi lançada oficialmente — por coincidência — há mais ou menos um mês. Também por coincidência, num álbum póstumo:

“Alguém morreu hoje / Eu vi sua foto nos quadrinhos do jornal / Não pensava que as pessoas podiam morrer às sextas-feiras.”

Mac disse não saber ser possível morrer numa sexta, pra alguns anos depois acabar morrendo em uma. Fico pensando se o motoqueiro julgava possível morrer num sábado de Carnaval. Escrevo esse texto na quarta-feira de cinzas, um dia muito mais próximo da morte pra muita gente. Minha burocracia eu resolvi no sábado mesmo, mas só voltei a lembrar dessa história hoje.

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Written by Guilherme Polonca

crônicas de ódio e outros sentimentos menos nobres

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