tudo acontece muito o tempo inteiro

Guilherme Polonca
2 min readJan 14, 2023

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Domingo é um dia que esconde alguns segredos. Eu mesmo prefiro não sair de casa. É um dia lento, em que pouco acontece e a maioria da humanidade prefere se escorar em algum canto próprio e esperar até que a segunda-feira nos puna com a sua existência.

Mas tem domingo que a gente sai de casa, né.

Num desses raros em que eu decidi colocar a cabeça pra fora da janela, tempo frio confortável e uma garoa fina, não encontrei muita gente na quebrada, como de costume. As famílias almoçando, os pais já dormindo bêbados no sofá, amargando a falta de futebol na TV, cortesia do interminável início de janeiro.

Mas ao chegar no metrô é que as coisas realmente se revelam. Uma mãe que entra com os dois filhos no vagão para pedir moedas, a cena triste de duas crianças tão novas precisando pedir dinheiro, a impotência de não ter dinheiro pra dar e de saber que isso não resolveria o problema, mesmo que tivesse.

Tão súbito quanto à paisana, entra uma violinista e começa a tocar Yesterday, dos Beatles. Um chapéu no chão, esperança de algum dinheiro. As duas crianças olham pra mãe como quem pede permissão. Após concedida, entregam duas moedas à violinista, que sorri.

Achei bonito, mas mal tive tempo. No fundo do vagão entra um homem carregando um monociclo. Olho bem pra ele e percebo que uma vez, em 2016, foi ele mesmo quem me vendeu um moletom no meio da Avenida Paulista. Ele aceitava cartão. Os cabelos, agora verdes, estão mais curtos e abrigados por um chapéu bucket que na minha narrativa de certo esconde alguma calvície, afinal, o tempo passa.

O tempo passa, mas não no metrô de São Paulo. Mesmo em um domingo chuvoso, tudo continua acontecendo o tempo todo, tudo durante o mesmo momento móvel entre uma estação e outra.

E tudo isso só na linha prata.

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Guilherme Polonca
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Written by Guilherme Polonca

crônicas de ódio e outros sentimentos menos nobres

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